Exercícios para tratamento de lombalgia inespecífica

23/07/2022


JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A lombalgia é uma síndrome frequente e provoca incapacidade e perda no trabalho. Apesar de existirem diversas causas, o tipo de lombalgia mais frequente é a inespecífica. Os exercícios são frequentemente empregados para o tratamento da lombalgia porém existem controvérsias quanto a sua eficácia. O objetivo deste texto foi fazer uma revisão sobre exercícios para tratamento de lombalgia inespecífica.

CONTEÚDO: Foram descritas a definição e a classificação das lombalgias. A incidência e os mecanismos da lombalgia inespecífica, e os exercícios empregados para seu tratamento foram relatados.

CONCLUSÕES: Os tipos de exercícios terapêuticos para lombalgia crônica ou aguda que são mais eficazes, ainda são bastante controversos, contudo exercícios terapêuticos são provavelmente o tratamento conservativo mais usado no mundo todo.

Unitermos: DOR, Crônica; Dor Lombar; Exercícios de Alongamento Muscular.

INTRODUÇÃO

A lombalgia é uma das causas mais frequentes de incapacidade. A prevalência dessa síndrome é de 60-85% durante a sobrevida dos indivíduos1. Em todos os momentos, entre 15 e 20% dos adultos tem lombalgia1,2. A maioria (90%) é inespecífica e ocorre em todas as faixas etárias1.

Lombalgia é usualmente definida como dor localizada abaixo da margem das últimas costelas (margem costal) e acima das linhas glúteas inferiores com ou sem dor nos membros inferiores3.

São locais para origem de lombalgia: disco intervertebral, articulação facetária, articulação sacroilíaca, músculos, fáscias, ossos, nervos e meninges4. São causas de lombalgia: hérnia de disco, osteoartrose, síndrome miofascial, espondilolistese, espondilite anquilosante, artrite reumatoide, fibrose, aracnoidite, tumor e infecção. O número de doenças da coluna vertebral é muito amplo, porém o grupo principal de afecções está relacionado a posturas e movimentos corporais inadequados e às condições do trabalho capazes de produzir impacto à coluna5.

Tendo em vista a variedade de fatores envolvidos, não existe uma técnica terapêutica que seja eficaz para todos os pacientes.

Classificação

De acordo com a duração, a lombalgia pode ser aguda (início súbito e duração menor do que seis semanas), subaguda (duração de seis a 12 semanas), e crônica (duração maior do que 12 semanas)6.

A dor lombar por desordem musculoesquelética pode ser de origem congênita, degenerativa, inflamatória, infecciosa, tumoral e mecânico-postural.

A lombalgia pode ser classificada em mecânica, não mecânica e psicogênica. A lombalgia mecânica pode ser específica ou inespecífica. De acordo com o tempo de duração, a lombalgia pode ser aguda (início súbito e duração menor do que seis semanas), subaguda (duração de seis a 12 semanas), crônica (duração de mais do que 12 semanas) e recorrente (reaparece após períodos da acalmia). Pode ainda ser dividida em cinco categorias: viscerogênica (ex. doenças abdominais), vascular (ex. aneurisma de aorta abdominal), psicogênica (fator psicológico induzindo à dor), neurogênica (lesão em sistema nervoso) e espondilogênica (ex. hérnia de disco e osteoartrose)7.

Lombalgia inespecífica

A lombalgia mecânica comum ou lombalgia inespecífica representa grande parte da dor referida pela população. O corpo humano tem centro gravitacional no qual mantém o equilíbrio entre músculos e ossos para manter a integridade das estruturas, protegendo-as contra traumatismos, independentemente da posição de pé, sentada ou deitada. Na lombalgia inespecífica geralmente ocorre desequilíbrio entre a carga funcional, que é o esforço requerido para atividades do trabalho e da vida diária, e a capacidade, que é o potencial de execução para essas atividades.

Esse tipo de lombalgia caracteriza-se pela ausência de alteração estrutural, ou seja, não há redução do espaço do disco, compressão de raízes nervosas, lesão óssea ou articular, escoliose ou lordose acentuada que possam levar a dor na coluna. Somente 10% das lombalgias têm causa específica de doença determinada8.

Apesar da ausência de alteração estrutural na lombalgia inespecífica, essa pode causar limitação das atividades da vida diária e incapacidade para o trabalho temporária ou permanente, sendo umas das principais causas de falta no trabalho no mundo ocidental1.

A incidência da lombalgia inespecífica é maior em trabalhadores submetidos a esforços físicos pesados, como levantamento de pesos, movimentos repetitivos e posturas estáticas frequentes9,10.

Na literatura, a prevalência da lombalgia inespecífica é maior no sexo feminino11,12,13. Alguns autores acreditam que as mulheres apresentam riscos maiores do que os homens por causa de particularidades anatomo-funcionais que, quando somadas, podem facilitar o surgimento de lombalgia. Elas apresentam menor estatura, massa muscular e densidade óssea, maior fragilidade articular e menor adaptação ao esforço físico14. Além disso, a soma da carga imposta pela feitura das tarefas domésticas potencializa esse risco15.

Portanto, quase todos os indivíduos têm episódios de lombalgia inespecífica e toda população de todas as faixas etárias é considerada de risco.

Atitudes habituais ou profissionais (permanência na posição de pé ou sentada por tempo prolongado), obesidade, abdome em pêndulo, visceroptose, pé vicioso e massas musculares insuficientemente desenvolvidas são fatores que contribuem para as distorções posturais. O excesso de peso produz maior pressão sobre as estruturas (discos intervertebrais, raízes nervosas, articulações interapofisárias e ligamentos intervertebrais) e causa dor. Outros fatores que contribuem para lombalgia no paciente obeso são a flacidez e a distensão da parede abdominal, que impede o suporte adequado para a coluna16,17. A lombalgia inespecífica é causada por desvios da postura normal.

São características da lombalgia inespecífica: dor em peso, pioria com esforço físico principalmente à tarde, alívio com repouso, ausência de alterações neurológicas e de contratura muscular e postura antálgica, associada a sedentarismo e postura inadequada18.

Vários fatores estão ligados à lombalgia e afetam o seu desenvolvimento e subsequentemente o seu curso. Em uma revisão sistemática os autores concluíram que nenhuma das anormalidades identificadas por ressonância magnética, como redução do espaço do disco, degeneração ou até mesmo hérnia de disco, estava ligada como causa de lombalgia, pois essas anormalidades também estavam presentes em indivíduos assintomáticos e não coincidiam com o desenvolvimento de lombalgia19,20.

Tratamentos para lombalgia

Diversos são os tratamentos empregados, tais como: medicamentos (anti-inflamatórios, corticosteroides, paracetamol, dipirona, tramadol, opioides, relaxantes musculares, antidepressivos, anticonvulsivantes), medidas físicas (ondas curtas, ultrassom, estimulação elétrica transcutânea, laser), infiltração, bloqueios e acupuntura. Entretanto, a efetividade das intervenções terapêuticas não está totalmente comprovada4,21,22,23,24.

Exercícios

Terapia por exercício engloba um grupo heterogêneo de intervenções. Os exercícios para lombalgia podem ser feitos individualmente por grupo de pacientes, sob a supervisão de um terapeuta, ou executados em casa. Podem ser feitos usando máquinas ou em piscina. Vários tipos de exercícios, tais como aeróbicos, de flexão ou extensão, alongamento, estabilização, balanço e coordenação, são usados. Para exercícios de fortalecimento muscular pode ser dada atenção a um músculo específico (multifidus, transverso abdominal) ou a um grupo de músculos, como os do tronco e do abdômen. Os exercícios podem variar em intensidade, frequência e duração.

De várias revisões encontradas destacam-se duas25,26. Em uma revisão, os autores encontraram 37 estudos que satisfaziam os critérios de inclusão. Desses, nove eram revisões de exercícios, sendo que oito mostraram alguma evidência do efeito do exercício na lombalgia, porém o tamanho da amostra era pequeno. Somente em uma revisão cujo tamanho da amostra era considerável houve evidência de que exercícios gerais melhoram a lombalgia e consequentemente a falta no trabalho. Os exercícios diminuem a intensidade da dor lombar e ajudam na recuperação do paciente, porém não previnem a recorrência25. Em outra revisão sistemática, ao procurar qual o melhor método de intervenção física e de reabilitação para lombalgia, os autores investigaram exercícios, escola de coluna, estimulação elétrica transcutânea, laser de baixa intensidade, educação, massagem, terapia comportamental, tração, tratamentos multidisciplinares, termoterapia26. Encontraram 83 estudos duplos encobertos aleatórios e desses a grande maioria era de exercícios terapêuticos (37) e terapia comportamental (21). Concluíram que os exercícios terapêuticos promovem redução da intensidade da dor e da incapacidade por longo período; já a terapia comportamental cognitiva é mais efetiva para a redução da intensidade da dor para períodos curtos; contudo, o nível de evidência ainda é baixo. Para os outros métodos, devido à heterogeneidade da população estudada, de intervenção e de grupos foi impossível chegar a uma conclusão.

Exercícios terapêuticos são definidos como conjunto de movimentos específicos com o objetivo de desenvolver e treinar a musculatura e a articulação, com o uso de uma rotina de prática ou por treinamento físico com a finalidade de promover a saúde física do indivíduo27.

Em um estudo, os autores demonstraram maior eficácia de exercícios específicos para o transverso do abdômen, em comparação com exercícios gerais e a terapia de manipulação espinal em pacientes com lombalgia. O efeito do exercício de controle motor na redução da dor foi maior em comparação com os outros grupos e houve ainda uma correlação significativa entre o recrutamento moderado do transverso abdominal e diminuição da incapacidade, o que demonstra, assim, mais uma vez, a importância da ação desse músculo na estabilidade da coluna lombar28.

Em outro estudo sobre um programa de exercícios de estabilização segmentar durante seis semanas em indivíduos com lombalgia crônica, foi possível observar diferenças significativas entre os grupos de intervenção e controle no questionário de qualidade de vida. Houve redução significativa da dor e da incapacidade no grupo de sujeitos estudados e 89% dos pacientes consideraram a intensidade da dor e a incapacidade funcional aceitáveis29.

Os exercícios específicos que promovem a contração independente dos músculos profundos do tronco, com contração do transverso do abdômen e multífido, promovem efeitos benéficos na redução da dor e da incapacidade em pacientes com lombalgia crônica e na diminuição de recorrência após um episódio de dor aguda30.

A eficácia da abordagem de reabilitação por meio de exercícios ativos tem sido documentada em estudos controlados e randomizados. Em pacientes com lombalgia inespecífica um programa de mobilização ativa foi comparado com mobilização passiva. Houve maior redução da intensidade da dor no grupo de reabilitação ativa. Após um ano, a diferença na intensidade da dor e no índice de incapacidade foi ainda mais significativa. A mudança na resistência lombar foi significativamente maior no grupo de reabilitação ativa do que no grupo controle do tratamento passivo31.

Em um estudo, 235 enfermeiros que apresentaram pelo menos um episódio de lombalgia foram convidados, sendo qualificados 169. O programa de exercícios gerais foi composto por 11 sessões, com duração de uma hora cada sessão, e incluiu exercícios físicos de fortalecimento e alongamento muscular, bem como orientações para um programa de treinamento em casa. O programa de prevenção secundária consistiu de 17 sessões de uma hora e 35 minutos e uma sessão individual de 45 minutos. Além do programa de exercícios, o programa de prevenção incluiu programa psicológico, exercícios de estabilização segmentar e ergonomia. O programa multimodal não foi superior ao programa de exercícios gerais com alongamento e fortalecimento para melhoria da lombalgia. Considerando os custos mais baixos do programa de exercícios gerais, não se justifica um programa multimodal para a prevenção secundária da lombalgia inespecífica e da incapacidade32.

Escola de coluna é definida como programa educacional postural usado na prevenção e no tratamento de pacientes com lombalgia que incluem exercícios terapêuticos, com aulas teóricas e práticas ministradas a um grupo de pacientes e supervisionadas por um fisioterapeuta ou médico especialista33.

A terapia comportamental cognitiva envolve técnicas de relaxamento, cognitivas, de treinamento social e aceitação e adaptação de atividades para propiciar a melhoria da dor e da capacidade funcional34,35. Na revisão foram encontrados 11 estudos que comparavam exercícios intervencionais entre eles. Contudo, por causa da grande heterogeneidade dos tipos de intervenções e de exercício, do tempo de execução de cada exercício, da duração dos exercícios e do tempo de cada sessão, assim como do tempo de seguimento, foi impossível uma conclusão.

Em dois estudos os autores encontraram diferença entre exercícios terapêuticos. Em um deles o programa de exercícios aeróbicos promoveu maior alívio da dor após três meses de seguimento36. Em outro estudo o programa de exercícios de alongamento e fortalecimento foi comparado com programa de exercícios motores por 12 semanas. O grupo de programa de exercícios motores teve pequena melhoria nos resultados após oito semanas; contudo, no seguimento de seis a 12 meses não houve diferença nos resultados37.

Em oito estudos os autores não encontraram diferenças entre os vários tipos de exercícios terapêuticos38,39. Os autores fizeram revisão sistemática para o exercício e a lombalgia e encontraram 28 citações em inglês, que incluíam 23 ensaios clínicos randomizados controlados publicados entre 1993 e 2004 e cinco revisões da literatura publicadas em 2000 e 2002. Em estudos mais antigos não há apoio para exercícios para lombalgia aguda, mas sim para a dor lombar crônica. Estudos mais recentes têm classificado o tratamento com base na função, e não na duração, levam em consideração a preferência do paciente e abordam grupos musculares que aumentam a estabilização. Há benefício com duração de até três anos após a intervenção40.

Por meio da identificação de características funcionais especificas de cada indivíduo, os profissionais devem ser capazes de projetar terapias focadas na lombalgia25.

Continua a haver incertezas sobre a abordagem mais eficaz de exercício para a lombalgia. Foi feita uma revisão sistemática para identificar as características de cada exercício para diminuir a intensidade da dor e melhorar a função em pacientes com lombalgia inespecífica. Exercícios de alongamento e fortalecimento foram mais eficazes em relação aos outros tipos de terapias. Porém foram encontradas algumas limitações da literatura, que incluem estudos de baixa qualidade com medidas de resultado heterogêneas e relatórios inconsistentes e pobres. A terapia por exercícios em programas individuais, que inclui alongamento ou fortalecimento com supervisão, pode melhorar a dor e a função na lombalgia inespecífica. Estratégias devem ser usadas para incentivar a adesão. Estudos futuros deverão testar esse modelo e ainda avaliar as características e os tipos de exercícios para cada paciente41.

No Reino Unido as diretrizes foram baseadas no grau de evidência moderada de pesquisas clínicas, ensaios clínicos e revisões sistemáticas. O objetivo do tratamento é manter o máximo de atividade dentro do possível. Os medicamentos devem ser usados para diminuir a intensidade da dor e esse guia pode não ter resultado em alguns pacientes. O guia é composto de programas de exercícios estruturados, com supervisão de um profissional habilitado, como o fisioterapeuta. Os exercícios são feitos em no máximo oito sessões supervisionadas, no período de oito a 12 semanas, em grupos, e incluem atividade aeróbica, orientação de movimento, alongamento muscular, controle postural e retificação da coluna. É incentivado e recomendado que o paciente faça sozinho em casa e diariamente. E terapia manual, que inclui várias sessões de massagem, mobilização ou manipulação da coluna vertebral. Na mobilização o terapeuta move as articulações da coluna vertebral dentro do alcance normal do movimento. Na manipulação o terapeuta move as articulações da coluna além do alcance normal do movimento. Preconiza a acupuntura, contudo o nível de evidência é muito baixo. O guia também contempla a terapia comportamental cognitiva. Ao fim, se todos os passos acima não derem certo, o National Institute for Clinical Excellence (Nice) recomenda ao médico generalista encaminhar o paciente ao especialista em clínica de dor. Raramente a operação para coluna é recomendada quando todos os tipos de tratamento não tenham ajudado e a dor continua de forte intensidade42.

A interação e a comunicação dos vários profissionais de saúde, ou seja, a abordagem multidisciplinar e interdisciplinar, que contempla não somente os exercícios físicos, mas as outras modalidades do tratamento da dor citada acima, podem ajudar o paciente com lombalgia crônica inespecífica.

CONCLUSÃO

Na literatura, os estudos dos tipos de exercícios terapêuticos para lombalgia crônica ou aguda que são mais eficazes ainda são bastante controversos; contudo, exercícios terapêuticos são provavelmente o tratamento conservativo mais usado no mundo todo. A padronização de exercícios, assim como a duração, a frequência e o tempo de avaliação, faz-se necessária para diminuir os riscos de interpretações errôneas de qual a modalidade é mais apropriada a uma determinada população acometida por dor lombar inespecífica. Se os exercícios forem feitos de forma incorreta, podem ser prejudiciais à saúde. Os exemplos mais evidentes são os exercícios com pesos na posição sentada e as elevações frontal e lateral de carga com os braços esticados. Praticados com postura errada ou peso em excesso eles podem causar dores nas costas e nos ombros. Para manter o corpo em forma sem se machucar, é necessário fazer exercícios que não agridam articulações ou tendões. A orientação prévia focada na necessidade de cada paciente por profissional com formação adequada e com conhecimento de biomecânica evita a interrupção das atividades físicas, tão importantes para saúde física e mental.

ARTIGO DE REVISÃO

Exercícios para tratamento de lombalgia inespecífica

Daniele Tatiane LizierI; Marcelo Vaz Perez, TSAII; Rioko Kimiko Sakata, TSAIII

IFisioterapeuta, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

IIDoutor; Anestesiologista, Unifesp

IIIProfessora Associada, responsável pelo Setor de Dor, Unifesp

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